Quando falamos em artefatos culturais, que imagem vem à sua mente?
Talvez você imagine arqueólogos escavando relíquias antigas, tentando decifrar os modos de vida de civilizações passadas. Ou cenas de filmes como Indiana Jones, onde símbolos e objetos revelam segredos de culturas ancestrais. Esse último exemplo, aliás, é uma ótima metáfora — porque, no fundo, é exatamente disso que se trata: vestígios que carregam histórias.
No mundo corporativo, os artefatos culturais funcionam de maneira similar: são expressões visíveis do que uma cultura valoriza — ou tolera. Eles nos mostram, mesmo sem palavras, como uma organização funciona de verdade.
O professor Edgar Schein, referência mundial em cultura organizacional, descreve os artefatos como os elementos mais perceptíveis da cultura: tudo aquilo que pode ser visto, ouvido ou sentido quando alguém entra em contato com uma organização.
São como a ponta do iceberg – aquilo que se revela primeiro, mas que guarda em si um reflexo do que está submerso: crenças, valores e premissas compartilhadas.

Artefatos: muito além da decoração ou do ritual
Você já parou para pensar no que uma sala de reunião revela sobre uma empresa? Ou no que se comunica ao dar um nome específico a um projeto interno? Ou ainda, no que está embutido em um simples café coletivo entre áreas?
Essas expressões visíveis – os artefatos organizacionais – podem ser agrupadas, segundo Schein, em quatro categorias principais:
- Estruturas Físicas e Símbolos: Como é o ambiente de trabalho? Existe uniforme? Crachá? Troféus expostos? Como são os espaços de descanso ou alimentação?
- Rituais e Cerimônias: Quais são os eventos recorrentes? Como ocorrem os processos de integração, feedback ou encerramento de ciclos?
- Linguagem Organizacional: Há jargões? Slogans? Hashtags internas? Qual é o tom dos e-mails ou mensagens? O vocabulário diz muito sobre o clima e os códigos da cultura.
- Histórias e Heróis: Quais histórias são contadas e recontadas nos corredores ou eventos? Quem são as pessoas — líderes, colaboradoras e colaboradores — que representam os valores desejados?
Além dessas categorias, podemos incluir uma quinta, que não foi descrita por Schein, mas é cada vez mais fundamental na prática:
5. Sistemas e Indicadores Organizacionais: criam fluxos automáticos de trabalho e estimulam comportamentos específicos.
“Diga–me como me medes e eu te direi como me comportarei” – Eliyahu M. Goldratt
O desafio da intencionalidade
O mais curioso? Grande parte desses artefatos nasce sem intenção consciente.
São reuniões criadas para “alinhar melhor”, eventos internos que viram tradição, sistemas de avaliação implantados sem reflexão sobre suas consequências. E, embora úteis em muitos casos, quando esses artefatos não são revisados com consciência, eles podem reforçar padrões incoerentes ou até prejudiciais à cultura que se deseja construir.
Alguns exemplos (não tão hipotéticos assim):
- Uma organização que diz valorizar a colaboração, mas só reconhece resultados individuais.
- Um layout de escritório aberto que dificulta a concentração de equipes que trabalham em tarefas analíticas.
- Reuniões de lideranças tomadas por repasses operacionais que poderiam ser resolvidos com um e-mail claro.
Percebe? Esses artefatos geram ruídos — e, aos poucos, moldam comportamentos contrários aos valores proclamados. É aí que mora o risco.
Por outro lado, artefatos bem desenhados — ou conscientemente ressignificados — podem ser ferramentas potentes de transformação cultural. E têm três características em comum:
- Criam pertencimento Eles conectam as pessoas à história da organização e aos valores que sustentam a cultura. Um evento de celebração com espaço para reconhecer histórias de superação, por exemplo, pode reforçar valores essenciais de humanidade, entrega e evolução.
- Revelam necessidades reais: Ao observar os artefatos com atenção, é possível identificar onde estão as lacunas, excessos, vícios e também as oportunidades para reforçar o que funciona.
- Apontam direção: Artefatos coerentes com o propósito e os princípios da organização ajudam a orientar comportamentos e decisões, gerando alinhamento sem a necessidade de controle excessivo.
Um exemplo prático: o caso da Sicredi Vale do Piquiri AbcdPR/SP
Com mais de 30 anos de história e atuação em mais de 50 cidades do Paraná e de São Paulo, a cooperativa Sicredi Vale do Piquiri está trilhando um caminho inspirador ao revisitar seus artefatos culturais com intenção e profundidade.
Em uma das etapas do programa Prospera, apoiado pelo nosso consultor Leonardo Marques, líderes de 10 áreas mapearam os principais artefatos com suas equipes e decidiram revisar os que mais influenciam a cultura que eles gostariam de fortalecer.
Um deles é o selo “Gente que coopera cuida”, presente em iniciativas de cuidado com pessoas, e cujo uso havia se reduzido nos últimos tempos.
Porém, durante estes processo de revisão, a equipe de Gestão de Pessoas percebeu, com mais clareza, que este selo representa uma série de valores que eles desejavam fortalecer mais na cooperativa. Ele então passou a ser utilizado de forma mais estratégica, conectando ações que promovem bem-estar e reforçando o valor do cuidado como traço identitário da cooperativa.
Segundo Elisangela Fortini Mancini, então gerente de Gestão de Pessoas:
“Os agradecimentos, a preocupação genuína, o cuidado com a vida de cada pessoa colaboradora — tudo isso tem sido vivido intensamente. E perceber que estamos criando um legado cultural me enche de orgulho.”
Outro artefato redesenhado foi o Ritos de Gestão das Agências, que é um guia de bolso para apoiar mais de 120 gerentes na rotina e na tomada de decisão. Ali estão documentados os princípios da cooperativa, os rituais de liderança, os principais indicadores e ferramentas de apoio. Mais do que uma cartilha, esse material é um farol que orienta as escolhas cotidianas.
Elisangela reforça:
“Os artefatos organizam, estruturam e aceleram a cultura. Eles tornam visível o que antes era apenas implícito. E o apoio da Fractal foi essencial para ampliar essa consciência.”
Em resumo: a cultura está viva — e os artefatos são os seus sinais
Cultura não se impõe. Não se controla. Mas pode e deve ser intencionalmente nutrida.
E os artefatos, quando bem cuidados, são como bússolas silenciosas: Eles não falam, mas orientam. Eles não decidem, mas influenciam. Eles não lideram, mas inspiram.
Então, talvez a pergunta mais importante agora seja:
O que os artefatos da sua organização estão dizendo — sem dizer uma palavra sequer?